O Renascimento do Empirismo: A Abordagem Construtiva de Bas van Fraassen
- rafael varella
- 26 de nov.
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Em nossa discussão anterior, exploramos os argumentos do Realismo Científico, a visão de que a ciência nos oferece uma descrição literalmente verdadeira do mundo, inclusive em seus aspectos inobserváveis. Contudo, essa não é a única postura racional disponível. A tradição empirista, que remonta a David Hume e atravessa o Positivismo Lógico do Círculo de Viena, sempre manteve um ceticismo saudável quanto à capacidade humana de transcender a experiência sensorial. Se o Positivismo Lógico falhou ao tentar reduzir a linguagem teórica a dados sensoriais ou ao declarar a metafísica como "sem sentido", o espírito empirista não desapareceu. Ele foi reabilitado e sofisticado na segunda metade do século XX, oferecendo uma alternativa epistemológica rigorosa que desafia a pretensão realista sem negar o sucesso da ciência.
A Reabilitação do Antirrealismo
Essa reabilitação deve-se, fundamentalmente, a Bas van Fraassen (n. 1941). Em sua obra seminal A Imagem Científica (1980), van Fraassen formulou o Empirismo Construtivo, revitalizando o antirrealismo científico moderno. A força de sua proposta reside em reformular os termos do debate: ele afasta a discussão das questões puramente metafísicas sobre o que "realmente existe" para focar em questões epistemológicas sobre a racionalidade da crença. A pergunta central deixa de ser "Os elétrons existem?" para se tornar: "Somos racionalmente obrigados a acreditar na existência de elétrons para aceitar as teorias físicas?".
Verdade vs. Adequação Empírica
A tese central de van Fraassen é que o objetivo da ciência não é fornecer uma descrição literalmente verdadeira do mundo inobservável (povoado por elétrons, quarks, campos quânticos), mas sim dar-nos teorias que são empiricamente adequadas.
A distinção crucial aqui se dá entre verdade e adequação empírica:
Uma teoria é verdadeira se corresponde à realidade em todos os aspectos (observáveis e inobserváveis).
Uma teoria é empiricamente adequada se "salva os fenômenos", ou seja, se tudo o que ela diz sobre os fenômenos observáveis (passados, presentes e futuros) é verdadeiro.
Para o empirista construtivo, a ciência visa "salvar os fenômenos". A teoria não precisa ser verdadeira no que diz respeito às suas afirmações sobre a estrutura profunda e inobservável da realidade para ser considerada uma boa teoria científica. O critério de sucesso é o ajuste a todas as observações possíveis, não a correspondência ontológica com um mundo invisível.
Aceitação e Crença: Uma Distinção Pragmática
Para fundamentar essa posição, van Fraassen introduz uma distinção sutil entre aceitação e crença.
Aceitar uma teoria científica envolve um compromisso pragmático: o cientista decide usá-la como base para a sua investigação, para explicar fenômenos e para projetar experimentos. No entanto, segundo van Fraassen, a aceitação de uma teoria envolve como crença apenas que ela é empiricamente adequada.
Um físico pode, portanto, aceitar o Modelo Padrão da física de partículas e usá-lo para fazer previsões incrivelmente precisas, sem a obrigação epistêmica de acreditar que os quarks existem literalmente da forma como a teoria os descreve. A crença que ultrapassa o domínio do observável é vista como uma "supererogação epistêmica" — um salto de fé adicional que a prática científica permite, mas não exige racionalmente. A atitude correta em relação aos inobserváveis é o agnosticismo.
A Crítica à Inferência para a Melhor Explicação (IME)
Essa postura culmina em uma crítica contundente à principal ferramenta argumentativa do realismo: a Inferência para a Melhor Explicação (IME). Os realistas argumentam que, se uma teoria é a melhor explicação disponível para as evidências, temos boas razões para acreditar que ela é verdadeira.
Van Fraassen contra-argumenta que a IME não é uma regra de inferência racionalmente compulsória. O fato de uma teoria ser a melhor explicação que conseguimos conceber não garante sua verdade. Ela poderia ser simplesmente "a melhor de um lote ruim" (the best of a bad lot) de teorias, todas falsas. A verdadeira explicação para os fenômenos poderia estar além da nossa imaginação atual.
Conclusão: Modéstia Epistemológica
Ao desafiar a necessidade de crença nos inobserváveis, van Fraassen adota uma posição de modéstia epistemológica. Ele não afirma dogmaticamente que os elétrons não existem (o que seria um ateísmo metafísico); ele adota um agnosticismo rigoroso.
Para o empirismo construtivo, a racionalidade obriga-nos a acreditar apenas no que a evidência observacional apoia, permanecendo em silêncio sobre o que se esconde por trás das aparências. Essa estratégia desloca eficazmente o ônus da prova: o empirista ocupa uma posição epistemicamente segura e minimalista, enquanto o realista é aquele que assume o risco epistêmico adicional, fazendo uma aposta metafísica que, segundo van Fraassen, não é estritamente justificada pela lógica ou pela prática da ciência.




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