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Filosofia da Natureza II: O Fundamento da Ciência


O Objeto, o Método e o Valor da Filosofia da Natureza

A Filosofia da Natureza tem como objeto material o mesmo das ciências naturais: o mundo corpóreo, sensível e sujeito à mudança, aquilo que a tradição aristotélico-tomista definiu como ente móvel (ens mobile). Contudo, seu objeto formal, a perspectiva sob a qual estuda este mundo, é distinto. Ela busca compreender o ente móvel em seus princípios constitutivos mais radicais e universais — como matéria e forma, ato e potência, e as quatro causas — e em sua essência inteligível enquanto móvel. Seu método não é primariamente o experimento quantitativo, mas a análise filosófica, que parte da experiência sensível comum e, através do primeiro grau de abstração, busca desvelar as estruturas ontológicas que fundamentam os fenômenos observados.


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Distinções Fundamentais: Ciências Empíricas e Filosofia da Ciência

É crucial distinguir a abordagem da Filosofia da Natureza daquela das ciências empíricas modernas (Física, Química, Biologia). Estas também estudam o ente móvel, mas sob objetos formais diferentes. Elas focam em aspectos particulares da realidade material acessíveis à mensuração e à experimentação controlada, buscando formular leis quantitativas e explicar as causas segundas ou próximas. Seu método predominante é o empírico-quantitativo e hipotético-dedutivo, com forte recurso à matematização. Jacques Maritain caracteriza o conhecimento dessas ciências como

empiriológico, uma análise que resolve o real em termos de observáveis e mensuráveis, e classifica a físico-matemática como uma scientia media, formalmente matemática, mas materialmente física, distinta da abordagem puramente ontológica da Filosofia da Natureza.

Igualmente fundamental é não confundir a Filosofia da Natureza com a Filosofia da Ciência, pois seus objetos de estudo são radicalmente diferentes. A primeira olha para o mundo, enquanto a segunda olha para a ciência que estuda o mundo.

  • A Filosofia da Natureza estuda o mundo natural em seus princípios filosóficos. Seu foco é a própria realidade física, o ente móvel, sendo uma investigação de primeira ordem, com questionamentos de caráter ontológico: "o que é a matéria?", "o que é a mudança?".

  • A Filosofia da Ciência, por outro lado, estuda a própria ciência como atividade humana e forma de conhecimento. Seu foco não é o mundo diretamente, mas a prática científica, sendo uma investigação de segunda ordem. Seus questionamentos são epistemológicos e metodológicos: "qual a lógica do método científico?", "como se dá o progresso na ciência?".

 

A Relação de Complementaridade e Fundamentação

Apesar das distinções, a Filosofia da Natureza e as ciências modernas não são saberes isolados, mas profundamente complementares. A Filosofia da Natureza oferece às ciências os fundamentos ontológicos e epistemológicos que elas pressupõem implicitamente, como a existência de uma realidade ordenada e a validade da causalidade. Ela também auxilia na interpretação do significado mais profundo das descobertas científicas, especialmente em questões limítrofes. Em contrapartida, as ciências empíricas fornecem à filosofia um manancial de dados e fenômenos descritos com rigor, que desafiam, enriquecem e obrigam a refinar a reflexão filosófica.

A Relevância Perene da Filosofia da Natureza

Ao final desta exploração, reafirma-se a Filosofia da Natureza como um saber fundamental e insubstituível. Seu objeto próprio — o ente móvel enquanto móvel e suas causas primeiras — confere-lhe um campo de investigação distinto tanto das ciências particulares quanto da metafísica. Longe de ser uma relíquia, ela oferece os alicerces para uma compreensão mais profunda da própria ciência experimental, explicitando os pressupostos filosóficos de sua prática e oferecendo um quadro para a interpretação de seus resultados que não se reduza ao meramente fenomênico ou instrumental. Ela permite questionar "o que é" a natureza, a matéria ou a mudança, para além do "como" os fenômenos ocorrem.

Portanto, o resgate da Filosofia da Natureza é essencial para fundamentar as ciências , promover uma visão unificada do saber e enriquecer a cultura intelectual.

Em suma, a Filosofia da Natureza permanece um farol que ilumina a própria inteligibilidade do cosmos, convidando a uma contemplação da ordem e da finalidade intrínsecas ao mundo, e abrindo caminho para as indagações mais elevadas da metafísica e da teologia natural. Sua vitalidade é perene, pois enquanto houver a busca humana pela verdade sobre o mundo, haverá a necessidade de perscrutar seus fundamentos mais radicais.

 

1 comentário


Ricardo Vieira
Ricardo Vieira
16 de set.

Muito interessante a relação ontológica aqui apresentada. De fato, recapitular aquilo que reconhecemos e percebemos como natureza é um aspecto que dá lastro á percepção para além da matéria no mundo que vivemos .

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