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A Filosofia da Natureza I: A Admiração Diante do Mundo Físico

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"Na natureza, nada é feito em vão; cada ser carrega em si uma finalidade, e é nesse desígnio que se revela o seu mais profundo encanto." 

(Aristóteles)



A investigação filosófica sobre o mundo natural não surge de uma necessidade puramente prática ou de uma teoria pré-concebida, mas da experiência humana mais fundamental: a admiração (thaumazein, em grego; admiratio, em latim) diante da própria realidade que nos cerca. Como apontaram desde os primórdios da filosofia ocidental, é o espanto perante os fenômenos do universo que impulsiona a inteligência – cuja finalidade é conhecer o ser – a buscar um conhecimento mais profundo que a simples constatação ou a utilidade imediata. É o reconhecimento da própria ignorância face à complexidade do real que acende o desejo natural de saber.

O que, exatamente, desperta essa admiração primordial? A percepção de um paradoxo fundamental. Por um lado, observamos um universo em constante mudança e devir (fieri), como notou Heráclito, para quem tudo flui (panta rhei). Por outro, a razão, na busca por uma verdade estável, encontrou a tese de Parmênides: o Ser é uno, imutável e eterno, e a mudança que percebemos seria, em última instância, uma ilusão. O resultado é um impasse para o conhecimento: como pode haver uma ciência (um saber estável e verdadeiro) sobre um mundo que ou está em perpétuo fluxo, escapando a qualquer definição, ou cuja mudança é meramente aparente?

A primeira grande tentativa de solução veio de Platão. Ele propôs um dualismo: existiria um mundo inteligível, o mundo das Formas eternas e imutáveis (o verdadeiro objeto da ciência), e o nosso mundo sensível, uma cópia imperfeita e mutável daquele. Para Platão, o conhecimento do mundo físico seria sempre um saber inferior, uma mera opinião (doxa), e não uma ciência (episteme).

É aqui que a genialidade de Aristóteles representa o passo decisivo que funda a Filosofia da Natureza. Rejeitando o mundo das Formas separado, Aristóteles traz a inteligibilidade para dentro do próprio mundo físico. Ele postula que cada ser sensível é um composto de matéria (o princípio da potencialidade e da mudança) e forma (o princípio da atualidade, da essência e da estabilidade). A forma não está em um céu inteligível, mas é imanente ao ser. Ao localizar a estabilidade e a essência no interior dos próprios entes que mudam, Aristóteles torna a mudança inteligível e, pela primeira vez, fundamenta a possibilidade de uma verdadeira ciência do ente móvel.

É a partir dessa síntese aristotélica que as questões sobre a natureza adquirem um solo firme. Diante de um mundo que é, ao mesmo tempo, mutável e portador de essências estáveis, a razão pode enfim perguntar:

  • Quais são os princípios últimos que explicam a mudança e a permanência?

  • O que constitui a natureza fundamental (physis) desses seres que nascem e perecem?

  • Existe uma ordem inteligível e causal por trás da multiplicidade dos fenô fenômenos?

Essas questões radicais, que buscam os primeiros princípios e as causas últimas da realidade física enquanto tal, marcam o nascimento da Filosofia da Natureza. Seu objeto, como vimos, é precisamente este mundo do devir, não enquanto mera aparência, mas enquanto portador de uma inteligibilidade própria, de naturezas e leis a serem descobertas pela análise filosófica.

Como observa Jacques Maritain, ela é a mais humilde das ciências especulativas, a mais próxima dos sentidos, mas fundamental, pois é o primeiro degrau na ascensão natural da razão desde a experiência sensível em direção à sabedoria.

Em nosso próximo post, avançaremos nesta investigação, buscando entender por que uma Filosofia da Natureza é necessária mesmo diante de uma Ciência bem estabelecida, seus pontos de convergência, divergência e dependência.

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