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Por uma Definição de Ciência: Resgatando a Clareza

Faça o seguinte exercício consigo próprio ou com os demais colegas da área científica, perguntando(-se) algo elementar: "O que é Ciência?" Você ficará surpreso (ou não) com a dificuldade geral em responder algo que ocupa boa parte se não toda a sua vida profissional. Essa hesitação ou diversidade de tentativas respostas não é um mero acaso.

Parte dessa complexidade em definir a ciência hoje, e talvez a surpresa mencionada ao se indagar sobre sua natureza, reside em uma característica marcante da modernidade: uma certa dificuldade em estabelecer definições claras e estáveis para os termos. Isso frequentemente se traduz em um estado de confusão ou dispersão conceitual sobre a natureza fundamental das coisas, suas propriedades e, crucialmente, suas causas. Este panorama de incerteza terminológica pode abrir caminho para uma série de dificuldades epistemológicas e práticas, que exploraremos em outros momentos. Por ora, a constatação dessa dificuldade serve para sublinhar a importância de revisitar e resgatar definições que ofereceram, por séculos, um alicerce sólido para o pensamento.


A Definição Clássica: Conhecimento Pelas Causas

Apesar da diversidade de perspectivas sobre o que constitui a ciência, uma definição que serviu como modelo fundamental ao longo de vasta parte da história do pensamento ocidental, e que ressoa profundamente com o enfoque deste espaço, é a definição clássica de ciência como o conhecimento certo e evidente do universal e necessário, adquirido através de suas causas.

Esta concepção, com raízes profundas na tradição filosófica aristotélico-tomista, articula-se em elementos cruciais que merecem ser destacados:

  • Conhecimento Certo e Evidente: Aqui, "ciência" (do latim scientia, grego episteme) implica um saber que transcende a mera opinião (doxa) ou a simples crença. Busca-se uma compreensão justificada, inteligível e, idealmente, demonstrável da realidade, um conhecimento que se assenta sobre princípios firmes.

  • Universal e Necessário: A ciência, nesta acepção clássica, não se ocupa primariamente do singular e contingente – o evento isolado que poderia ser ou não ser, ou ser de outra forma. Seu objeto formal são as naturezas ou essências das coisas e as leis e princípios gerais que delas decorrem e que regem os fenômenos. Investiga-se aquilo que é e que, dadas certas condições e princípios, não pode deixar de ser ou de se comportar de determinada maneira. Uma dúvida pertinente é como estabelecer a necessidade se os eventos naturais são, por sua natureza, contigentes. A necessidade aqui se explica pela máxima da necessidade hipotética: um evento pode ou não ocorrer (o nascimento de um animal, a floração de uma planta, a migração de aves para o sul, etc.). Porém, uma vez que ocorram, é necessário que haja uma causa ou explicação para aquilo.

  • Pelas Causas (Per Causas): Este é, talvez, o aspecto mais distintivo e fundamental. Conhecer cientificamente, na perspectiva clássica, não é apenas descrever "como" as coisas acontecem, mas entender "por que" elas são como são e por que acontecem dessa forma. Implica identificar suas causas primeiras e seus princípios constitutivos (as famosas quatro causas aristotélicas: material, formal, eficiente e final). É o conhecimento que penetra até as razões de ser. Esquematicamente, poderíamos resumir a definição de Ciência clássica tal como abaixo:

    A Complexidade (Moderna) de Definir a Ciência

    É inegável que definir a ciência não é uma tarefa simples, especialmente se considerarmos a evolução do pensamento e da prática científica. Ao longo da história da filosofia da ciência, surgiram inúmeras propostas, classificações e critérios de demarcação. Autores e desenvolvimentos modernos, sobretudo a partir da revolução científica e dos séculos subsequentes, apontaram para profundas dificuldades associadas à ideia de que a ciência repousa sobre um fundamento metodológico único e infalível, ou que há um "método científico" universal capaz de, por si só, garantir resultados irrefutáveis.

    De fato, há quem questione se uma única definição abrangente é possível, ou mesmo desejável. Alguns chegam a sugerir que a ciência, tal como praticada hoje, não possui características intrínsecas que a tornem, a priori, superior a outras formas de conhecimento ou de interação com o mundo, mas que seu prestígio deriva de fatores históricos, sociais e de sua eficácia prática.


    Concluindo: Um Alicerce Perene para o Saber

    O debate sobre a definição precisa da ciência e o alcance de seus métodos é, em si mesmo, um testemunho da vitalidade e da complexidade inerentes a este nobre empreendimento humano. Contudo, a concepção clássica da ciência como um conhecimento que busca o universal e o necessário através de suas causas oferece um alicerce perene e uma orientação fundamental. Ela sublinha a aspiração mais profunda da inteligência humana: uma compreensão explicativa e ordenada do mundo.

    As diversas abordagens filosóficas posteriores, ao explorarem os múltiplos métodos, a dinâmica histórica e os variados contextos da prática científica, não anulam essa visão fundadora, mas a complementam e a enriquecem. Elas nos ajudam a compreender a complexa jornada do fazer científico, mas é a busca pelas causas e pelos princípios que continua a dar à ciência sua dignidade mais profunda e seu horizonte de inteligibilidade. É nesse espírito que buscamos, aqui no "Fundamentos Científicos", explorar essa fascinante intersecção.

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