Evolução e Criação: Desfazendo a Falsa Dicotomia
- fundamentos científicos
- 16 de nov.
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Em nosso mundo acadêmico, poucas coisas geram tanto calor e tão pouca luz quanto o debate entre evolucionismo e criacionismo. Frequentemente, a discussão é enquadrada como uma batalha de "soma zero": a ciência empírica contra a fantasia religiosa; a razão contra a fé cega.
Essa polarização, no entanto, nasce de um profundo erro categórico. Defensores de um cientificismo estrito – a crença de que a ciência é a única forma de conhecimento válido – muitas vezes se armam com o escudo do "Estado Laico" para rejeitar qualquer discussão metafísica, julgando-a irrelevante ou inexistente.
O problema é que, ao fazerem isso, demonstram não dominar os conceitos que criticam, confundindo os limites de seus próprios campos. Como em qualquer investigação séria, devemos começar pela lógica socrática: o que estamos definindo?
1. O Que é a Teoria da Evolução?
A teoria da evolução, especialmente após sua robusta fundamentação na genética, é uma explicação científica com base empírica. Ela descreve um processo, um movimento. Ela explica como a vida, uma vez existente, se diversifica e se adapta através de mecanismos observáveis (mutação, seleção natural, etc.). A própria palavra "evolução" (do latim evolvere, desenrolar) indica um desenvolvimento. Ela é uma teoria sobre o desenvolvimento dos seres naturais, não sobre sua origem absoluta.
2. O Que é a Criação (Metafísica)?
O conceito de Criação, por outro lado, não é uma teoria científica concorrente. É uma conclusão metafísica sobre a origem última de tudo o que existe. É uma tese sobre a Causa Primeira.
Longe de ser uma "fé cega", como seus detratores caricaturam, o conceito de criação está fundamentado em uma lógica rigorosa que remonta a Aristóteles e foi refinada por filósofos como Santo Tomás de Aquino. O argumento é o da contingência:
Tudo o que observamos no mundo é contingente (poderia não ter existido) e é "movido" (causado) por outro.
Nada pode ser a causa de si próprio, pois teria de existir antes de si mesmo para se criar.
Uma cadeia de causas contingentes não pode regredir ao infinito, pois se todas as causas fossem meramente intermediárias, nunca haveria um início para o "movimento" (a existência).
Portanto, deve haver uma Causa Primeira, não-causada e necessária, que é o princípio de todo o ser.
Isso é um exercício de lógica pura, não um apelo a um texto sagrado específico.
3. A Contradição Inexistente
A contradição é impossível porque os dois conceitos não estão no mesmo nível de explicação. Eles respondem a perguntas radicalmente diferentes:
Evolução (Ciência): Como a vida se desenvolve e muda?
Criação (Metafísica): Por que existe "algo" em vez de "nada"?
A teoria da evolução não explica – nem pode explicar – a origem da própria matéria, as leis da física que permitem a química, a centelha da vida, ou o surgimento da consciência. Ela pressupõe um universo existente, com leis estáveis, onde o "movimento" é possível.
Não há paradoxo algum em aceitar ambos: não há qualquer contradição em uma Causa Primeira que cria um universo dotado de Ordem e leis, projetado para se "desenrolar" – ou evoluir – com vistas a um fim (um telos). Podemos observar a história do Cosmos (do grego, Kosmos, que significa ‘ordem’) e ver claramente um processo evolutivo, uma ideia metafisicamente muito mais poderosa e elegante do que um universo estático e fixo. Como Teilhard de Chardin notou, há uma "complexificação" crescente:
A evolução material (a formação de galáxias, estrelas e planetas).
A evolução biológica (o desenvolvimento da vida a partir da matéria).
A evolução da consciência (o surgimento da mente e do pensamento reflexivo).
Aceitar essa "evolução" cósmica e biológica não anula a necessidade de uma Causa Primeira que iniciou e sustenta o "movimento".
4. O Dogma do "Evolucionismo" e o Falso "Estado Laico"
É aqui que a deficiência na formação humanística cobra seu preço. Quando o cientista, buscando explicar todos os fenômenos pelo evolucionismo, extrapola os limites da sua teoria, ele comete um erro categórico fatal.
Ele, sem perceber, transforma uma teoria científica (Evolução) em uma espécie de metafísica teológica (Evolucionismo) – uma ideologia que postula que a matéria e o acaso são a explicação última para toda a realidade, incluindo a própria consciência.
Paradoxalmente, é esse cientificista que adota uma "fé" no sentido pejorativo: a fé dogmática de que o materialismo é a única realidade e que a ciência, um dia, explicará tudo. Esta é uma crença filosófica, não uma conclusão científica.
É dessa confusão que nasce o maior equívoco no debate público: o mau uso do "Estado Laico". O Estado Laico que os cientistas corretamente defendem não é, nem deve ser, um "Estado Ateu" ou "Anti-Metafísico".
Um Estado Laico é neutro. Ele não proíbe o questionamento metafísico; pelo contrário, ele o permite, ao garantir que nenhuma religião (ou anti-religião) se torne a doutrina oficial do Estado. O cientificismo, ao tentar impor o materialismo como a única visão de mundo permitida no debate, age exatamente como o dogma que ele finge combater. Negar a metafísica não é defender a ciência; é apenas jogar os temas limítrofes para baixo do tapete, empobrecendo nossa própria busca pelo conhecimento.
A parte mais excitante da ciência não é fingir que temos todas as respostas. É o oposto. É o thaumazen dos gregos – aquele espanto, aquele assombro e maravilhamento diante do mistério da multiplicidade. A verdadeira ciência deve ser movida por esse encantamento, pela busca incessante de compreender um mundo cujas complexidades e mistérios são o que tornam a vida tão bela e interessante.



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